quarta-feira, 17 de junho de 2020

A estrada é pedregosa. Mas eu, eu também já fui pedra...  Teimosia de vida essa! De caminhar retirante,  desassossegado e nômade. Meus pés se plantam é na esperança.

Alessandra Espinola
Eu sei que em meus olhos tem todo esse silêncio que se move em mim como as marítimas silenciosas. Sei que meus olhos tem a melancolia da solidão insone e que tudo não passa de um momento.  O momento é esse modo tranquilo de olhar as coisas e é como a lua tem de percorrer o céu. As vezes impetuosa mesmo mas é ainda assim de modo atento. Tudo me ocupa os espaços e transborda como por do sol e nascer do sol que sangra... como a lua quando fica em chamas. E há algum espanto belo e não se tem o que dizer. Senão o silêncio de quando nos sentimos sendo o próprio tempo. Se desmanchando... no tempo. Nada tomarei para mim quando me for a hora.

Rio, junho de 2020.
Alessandra Espínola
Quero seguir a noite com meus ossos intactos. A voz posta sobre a cômoda. Palavras fechadas bem guardadas como em caixinhas de madeira para jóias. Preciso da vida das ruas dos cafés abertos de um sofá num hall uma poltrona numa livraria preciso tocar de novo tua face sob essa lua num banco de jardim.  Preciso sentir teu cheiro quente exalando dos cabelos frescos e grisalhos desde tão jovem e tua nuca nua amparar meu beijo. Preciso do lar aqui dentro sem restrição de plantas bichos música silêncio e os dialogos que correm alta madrugada. Porque falo sozinha quando tomo banho.Te ouvir em todos os gestos mínimos e distraídos.  O abraço acolhendo minha solidão.  O abraço acolhendo meu silêncio profundo. Preciso só  disso: de nada dizer.

Rio, junho de 2020.
Alessandra Espínola
uivos e gritos sem pudor a noite obtusa. corpos nus expostos a céu aberto. lua embaçada no manto azul da noite inebriada de rosas. solfejos de glória e dor. fonte extasiada de flores. espinho as avessas, cravados.
balsamo no que arde e foice no que fere.

Rio, junho de 2020.
Alessandra Espínola
Sempre que mergulhamos, em determinado momento, nos falta  um pouco de ar, a visão fica cada vez mais turva, uma escuridão parece se aproximar e tomar conta da gente, a pressão vai tirando nossos sentidos, já não ouvimos mais som algum e quase se perde a consciência dado mergulho cada vez mais profundo e intenso e a gente se mantém de cabeça... e mergulha leve como que se entregando à fundura de um infinito estonteante de amplidão e beleza. Porque chega uma hora em que nada pode ser feito senão se entregar. De repente, chegado ao fundo descobrimos que é infinito flutuamos no sem fundo daí que a luz cintilante  e fluorescente mais alva brota da mais abissal escuridão solidão silêncio então é quando a gente se funde a essa luz num todo único, e de repente tem azul e tem luminescências vivas e nos tornamos essa imensidão azul sem fim.

Rio, junho de 2020.
Alessandra Espínola
Os meus dias estão tristes como flores secas no jarro sobre o mármore.
A luz do dia agrava seu sussurro opaco da terra molhada.

Rio ,junho de 2020.
Alessandra Espínola
Pois foi. De manhã eu vi a luz do sol nascendo. Antes era escuro ainda. Longa demora. Noite adentro em mergulho. Madrugada agonica. O galo cantava sem parar. Eu ouvi e olhei pela janela o céu escuro e turvo e o galo cantava. Sem parar. Levou mais uma noite inteira pros primeiros raios de sol saírem.  Quando dei conta de cores inéditas levantei e me misturei com os céus.   Pensei ser o começo de tudo. Um novo mundo se fazendo. Eu estava mais uma vez só. Com a coragem de levantar sobre as incertezas e abrir a janela ao inesperado.

Rio, junho de 2020.
Alessandra Espínola
Precisava dormir uma vida inteira. E sonhar roçando os pés nas emendas da colcha. A solidão cria fastio, as vezes.

É certo que a névoa embaça a janela. E não há certezas do que há em parte alguma quando se está do lado de fora. Dentro é vertigem. E lua.

Rio, junho de 2020.
Alessandra Espínola
Rasgar o ventre e retirar todos os filhos mortos.

A dor é  como uma vida excessiva de uma pedreira.

Atingir o cume e depois partir. Pra onde? Onde ir se não há mais. Senão nebilna. E caos.

Rio, junho de 2020
Alessandra Espínola
Parece que a gente perdeu a noção do limite. Precisei romper como a aurora irrompe o dia.  E dói.  Dói morrer um pouco a cada dia. Hoje vi o amanhecer mais belo de toda minha vida. No céu, eu vi as cores incendiadas uns roseados dourados. Cristalinas nuvens. Quis tirar foto ou chamar quem por perto estivesse.
Foi um deslumbre do que há de mais belo na vida. Embora os mortos ao redor. Embora o sangue secando das feridas. Embora toda ausência solidão e silêncioso vazio. Embora...

Rio, junho de 2020.
Alessandra Espínola
Meu peito é uma roseira em chamas.
Furna e caixinha de música descobertas na gaveta última.

Sabe aquela sensação de que a pessoa que você ama morreu? É assim.

Rio, junho de 2020.
Alessandra Espínola
É da natureza do fogo queimar. Arder. Crepitar. Destruir. Renovar. Transformar. E como ? Como prender o fogo?
Tenho a sensação de que às vezes se tenta prender o fogo. Não há como prender o fogo!
Ele é livre. Quando aparentemente apagado é que ele mais vive. Em seu estado primevo e transformador. Sei que a vida em silencio se renova em mim.

***

é dia ainda
o perfume da rosa
brota para fora do muro

Rio, junho de 2020.
Alessandra Espínola
Há dias em que me sinto estranhada. Como se dia fosse um lugar. Como se tempo fosse esse unico lugar que habito. O tempo de eu estar e ser . Quando chega a hora da noite cair ela desce como um cavalo caindo de um arranha céu, a velocidade vetiginosa de um mundo que fora erigido por milênios e desaba veloz feroz voraz e pesado à força desmedida dos loucos e o sentir-pensamento  dos cascos e crinas nas alturas em queda e voo circulares elípticos mas que adentra e transforma. Por vezes em desalinho inusitado. Assim com peso aparentemente leve, só que tem que há uma densidade própria de seres como eu, que por vezes não se aguentam e transbordam. Os cabelos parecem fios desencapados nos ares. As mãos movem o barro úmido. A boca anseia o hálito. O fôlego incendiado no peito. A visão se turva quase em noite completa e o corpo exangue simula o trânsito da vida. O ato de sonho na realidade.

A palavra se constrói diante das cortinas abertas ainda que o tempo lá fora esteja escuro ou a neblina do olhar se faça mais acentuada e tudo parece ruir. Só que o rio corre e todas as águas seguem seu fluxo ainda sob a névoa do amanhecer.
É dia e a casa amanhece enfim mais uma vez!

Ah... o cavalo galopa e voa. Quedar abismar estremecer é próprio dos seres que avançam atravessam vazios caos longas escuridoes e se arriscam a viver. Agora! E a vista deste instante é bela. Há mesmo um afeto caloroso em viver que é quando o cavalo aterrissa, para e toca a nossa face num afago de cabeças. O quê de nós!

Rio, junho de 2020.
Alessandra Espínola
A noite vai alta e o desassossego dos animais noturnos se revela no clarão da lua e o das crianças inquietas se revela no andar de cima. Gosto tenramente dos sons que as criancas fazem quando brincam seja qual hora for. Me dão um alento que nem sei dizer. É um tuc tuc é um reco reco é um tum tum tarum que vou me embalando segura na infância dos que habitam a vida comigo neste tempo de agora. E de madrugada quando ainda fazem sons curiosos não me espanto não me assusto sei que são elas correndo pulando rindo trombando com o bicho papão de todos nós... e minha insônia agitada de repente se desmancha... e na calmura de que estou perto e cercada de crianças algo em mim descansa e dorme como um anjo.

Rio, junho de 2020.
Alessandra Espínola
A tarde vai deitando com suas nuvens de sal e amoníaco.  Não, espera. Há um vestido azul que balança nos ares. Lentamente. A dama classuda da noite com seu perfume de murta e alfazema. Um silêncio se apodera das ruas de sábado. As janelas das casas fechadas e os cães calados me intrigam. Abro a cortina e antevejo os pássaros com bilhetes no bico. Poemas de outono - penso. As telhas das casas estão velhas. O barro escurecido do tempo está da cor dos mortos deste país. Cinzento demais em algumas partes. Um cinza molhado , sabe ? Não tenho gosto de comer nada. A saliva grossa na língua. Boca fechada. O olhar voa pela janela. O morro a frente. Tantas casas luzes acesas a igreja apagada no topo. Parecem estrelas no céu. As luzes dos postes acendem e pincelam as vidraças anunciando o quê! Como sino que toca... você sabe. Há um fastio nos objetos da casa. Alguém no boteco ensaia o choro do cavaco.. não, espera. É cuíca. Cuíca também  chora. Vozes de homens vão se acalorando entre si. Uma poeira cobre a superfície dos dias e esfria atmosfera com essa cor de terra cinza e memória.

Rio, junho de 2020.
Alessandra Espínola
Sou atraida pela solitude. E tudo o que existe me atrai. Num desafio de vida. Sangue lama barro lágrima. Cabelos mãos baratas mortas pela manhã no chão do quarto músicas da rua o horror das madrugadas vidros quebrados  no meio da rua tudo entra no meu mundo com atributo de matéria prima materia viva mosaico humano colagem dos primeiros sinais de vida. Levanto me da cama como que atrasada para pegar algum trem. A solidão me atrai. E me seduz. É um estado de cintilância uma mão dentro de mim saindo com toda vida me trazendo o que chamarei de nascimento. Pisar o nada. Se despir. Não, não há susto nem medo. É o desconhecido que apenas me convida em silêncio.  O encontro.  O risco sagrado de viver. O desconhecido e eu esse  mistério solitário que só eu sei. (Ou vou me sabendo aos poucos) no cotidiano aos poucos sem me proibir de morrer. E de me aceitar como possivel conforto em mim mesma e possibilidade cada vez mais de encontro com o que sou. Tudo me diz ser: a barata virada de barriga pra cima esperneando suas mil patas. A aranha na quina do teto. O musgo que cresce verdissimo do lado de fora da janela. O rosto fugaz no espelho. Os pêlos cortados no chão do banheiro. A curva profunda dos seios. O olhar pelo olho mágico como quem estivesse do lado de fora olhando o dentro.  O vôo das gaivotas sobre o mar a pedra e as ondas. A noite com seus sons. E a manhã como placenta que dá esse gosto na minha boca.

Rio, junho de 2020
Alessandra Espínola
A tarde vai deitando com suas nuvens de sal e amoníaco.  Não, espera. Há um vestido azul que balança nos ares. Lentamente. A dama classuda da noite com seu perfume de murta e alfazema. Um silêncio se apodera das ruas de sábado. As janelas das casas fechadas e os cães calados me intrigam. Abro a cortina e antevejo os pássaros com bilhetes no bico. Poemas de outono - penso. As telhas das casas estão velhas. O barro escurecido do tempo está da cor dos mortos deste país. Cinzento demais em algumas partes. Um cinza molhado , sabe ? Não tenho gosto de comer nada. A saliva grossa na língua. Boca fechada. O olhar voa pela janela. O morro a frente. Tantas casas luzes acesas a igreja apagada no topo. Parecem estrelas no céu. As luzes dos postes acendem e pincelam as vidraças anunciando o quê! Como sino que toca... você sabe. Há um fastio nos objetos da casa. Alguém no boteco ensaia o choro do cavaco.. não, espera. É cuíca. Cuíca também  chora. Vozes de homens vão se acalorando entre si. Uma poeira cobre a superfície dos dias e esfria atmosfera com essa cor de terra cinza e memória.

Rio, junho de 2020.
Alessandra Espínola
Quando olho pela fenda da fechadura vejo o mar , pássaros nos galhos em pontos de voo, vejo montanhas já pela metade e um rosa fulvo no céu azul branco alaranjado. Olho pela fechadura e vejo crianças correndo pelos vales, um gato feito esfinge na grama. Uma pedra enorme e uma mulher tomando sol ouvindo as ondas suaves lambendo a rocha. Ela suspira, sorri abrasada e vira a cabeça pra trás num gesto de entrega e confiança.  Olho pela fechadura e o mar não acaba. O vento balança o cabelo da mulher e ela se mexe como uma nereida ou sereia sei lá que canta. Sim ela canta em silêncio o que me parece bem curioso. Olho pelo buraco da fechadura e o dia é deslumbrante em seus tons pasteis. Algum brilho se estende na colina e sobre a superfície das águas.  Sinto o suor escorrer pelo meu rosto e me salga esta paisagem viva. O pássaro voa alto e desce em círculos numa dança infinita. É tão mais amplo o biraco da fechadura que parece possuir uma lupa quando aproximo o olhar e lá está a formiga no seu montinho de areia , ah sim uma fileira delas com pedacinhos de folhas verdes sobre si.  São fortes. Simples e ágeis. Silenciosas... oitros pássaros sobrevoam o mar e juntam se ao primeiro e formam uma grande quilha em direção ao norte. A lua plena no céu não compete com nem uma luz. Apenas reflete cada vez mais o quanto de sol ainda há de brilhar.
Pelo buraco da fechadura eu vejo tudo. E é assim que é.

Rio, junho de 2020.
Alessandra Espínola
Eu tenho medo de cair no chão.  Sou sensível demais e sei o quanto dói tudo em mim. Por isso sempre estou me preservando ao máximo e tentando me equilibrar entre os ímpetos vorazes de desajeitamentos. Porque sou capaz de quebrar copos com a força da mão.  Esmagalhar formigas. Flores inteiras e rasgar as verduras de modo abrupto e agressivo. Sou capaz de carinhos brutos. É que sou tosca e primitiva. Como o invisível do fogo.

Rio , junho de 2020.
Alessandra Espínola
Quando olho no retrato a minha imagem quando pequena não me corrijo mais de ter nascido. Olho para aquela menina com tão grande amor e ternura e alegria que penso que ela poderia ter sido minha filha. Eu mesma. Há momentos que tenho estranhezas delicadíssimas e extremas de amor.

Rio, junho de 2020.
Alessandra Espínola
Ah como sou delicada e meu corpo parece tênue neblina blue. Rosa anjo coisa cálida mergulho do fogo na luz. Ah meu corpo de sombra - não, não é escuridão -, é sombra suave que confronta a luz. Olha nos olhos e me torno o próprio afago. Carícia lenta, banquete de entrega e revelação. Meu corpo um gás volátil inadequado a grilhão , a padrão, a critério. Meu corpo dói a regra. Passeio com a intensidade de luz indireta da tarde outonal num jardim de miragem. Eu de fisionomia difusa me íntegro e me intrego inteira ao todo que é a vida.

Alessandra Espínola
Rio, junho de 2020.
Existem coisas nas quais eu penso que falei mas não.  Estão como fotografias na minha cabeça.  Meu olhar capta todas as nuances e as palavras saem como aqueles matinhos beirando paredes altas ou nos musgos do meio fio.

A manhã se desenrola calma e uma caneca ressaltou a lembrança quente de minha mãe quando todos os dias tomavamos café juntas antes de eu ir para o trabalho. Ela cega fazia questão de fazer o café e todas as outras coisas na cozinha. Usava faca com maestria e dizia para eu ter cuidado porque estava amolada.

Mas o presente de hoje é toda herança que trago das mulheres de minha familia. Trago em mim os traços da bisa avó mãe tias primas. Ainda que na distância geográfica. E por isso mesmo recolho a história nas manhãs brotadas de silêncio entre as gelosias.

Rio, maio de 2020.
Alessandra Espínola

terça-feira, 26 de maio de 2020

Somente os gatos podem encerrar os pássaros entre os dentes.  Assim , me sinto com as asas da vida se debatendo dentro da boca, à goela, na beira abissal do estômago.

Rio, abril de 2019.
Alessandra Espínola
Eu canto pássaros e a noite se recolhe em meu seio . Quando se põe o sol em minha boca o mar espuma silêncios. Algas e conchas reaparecem na areia pela manhã.  A pedra azul imperturbável rumo ao céu.
Do que estou falando, afinal? Escrevo como que apenas chovesse.  Como se a névoa fosse eu. E como brasa que arde e crepita e como fogo porque é da natureza do fogo queimar.
Escrevo. Porque é do amor se dar. Inesgotavelmente, amar.

Rio, junhode 2019.
Alessandra Espínola
Como dizer corpo?
Como dizer que é o corpo.

É a questão do corpo. É intrigante. O corpo ser. O corpo da linguagem.  O corpo da mulher.  O corpo do homem. O corpo nu. O corpo... corpo é luz e forma infinita... que (de algum modo) nunca se acaba. Corpo cabeça- cabaça. Está sempre em acabamento.. oca modelagem.  Escrituração.  Transformação.  O corpo do todo (agua. Sal. Planta. Bicho. Pedra. Flor. Fogo. Ar. Cor. Palavra. Humano corpo. Corpo criança.  Corpo louco. O corpo sabe, expressa da maneira que consegue as angústias, faltas, solidão, imensidão, incompletude abissal, corp é deus. Corpo é criador. Criatura e criação. Corpo parideiro. Corpo carne, osso, medula, medusa, ômega, campanário, alcova. O corpo da natureza nascendo em mim em você.  Corpo nascedouro.  Corpo crepúsculo. Corpo lusco fusco. Fátuo.  Farto. Corpo altar. Corpo pássaro, corpo fruto - pêssego e cavalo . Corpo sentido e dimensão. Corpo Cósmico. Corpo de dar em doido. De dar em água. Corpo de redemoinhos e devastação.  Corpo mar. Corpo rio. Corpo   barrento movediço estrumal. Corpo lamaçal.  Corpo de desejo ex_põe como pode, como consegue . Corpo poros , corpo povos. Corpo é muita gente. É muito grão, cinza e semente.
Corpo é cântaro e cântico.  Corpo benzedeiro. Corpo abraço, teia, rede, trama, alguidar, corpo sol de seda e feixe de luar.

...Continuando...

Corpo

Corpo casa. Corpo aldeia. Tenda. Vôo de anos luz de asa.
Zamzibar. Corpo astar. Asteróide.  Satélite.  Corpo lar.
Corpo aqui. Corpo agora. Corpo outrora.  Corpo ali, lá acolá.  Corpo quimera.  Cabeça e pé - corpo no meio . Corpo no veio da esfera. Corpo  insular. Corpo de ilhas, magma, ovo, corpo vulvânico de geometrias. Corpo tempo estelar.

 Corpo continente, cordilheira, corredeira, leito, leite , mel, alecrim, corpo espada, punhal, corpo de sabre, corpo que se sabe , passagem, amplitude , golfo golfinho, corpo braço de mar. Corpo arquipélago, corpo ama, corpo arma, corpo amaranto , salsa parrilha, corpo sul norte nordeste.. corpo caminho dos ventos.  Roteiro de águas.  Edição epístolar. Índice de vida. História celular. Corpo dos infernos.  Diabo! Corpo Corpo sertão.... seca. Que vira e Virá a_mar! Corpo áureo, corpo só. Corpo são.  Corpo somos. Corpo soma. Corpo de cortes e findos.  Fundos. Fundilhos. Corpo montanhez,  Cais. Margem. Ribanceira.  Queda d'água.  Corpo quenion. Corpo barco e naufrágio. Remos e mãos.  Corpo.. Corpo... corpo... cor! Porto!

 Corpo chão.  Corpo torpor. Ardor. Corpo frevo. Corpo menta. Pimenta. Régia Vitória. Corpo calendário, alfabetario, alfandegário, corpo escapulario. Corpo rendeiro fiandeiro, Corpo  tecelão.  Corpo linha linhagem linguagem. Corpo pó, pólen, som... corporizasom!

Corpo cubo, corpo polifônico , corpo castanholas , um harpario de cordas! Corpo umbigo cordão. Cor ação!
Corpo dos ventres. Topografia e ontologia. Mitologia de mundo de nós.  Corpo a sós. Como que nunca é só.  Corpo colméia, alcatéia , corpo galacteo da galacteia.
Corpo sulfúrico, enxofrado e boticário.  Corpo ... esse troço trincado e troncho na corda bamba da gravidade.  Corpo grávido, corpo festa , incensario. Corpo ritos e paragens. Corpo tabuleiro de peças.  Corpo incendiário de inventos e novas constelações. 
Corpo inventário... (?) Corpo ósculo demoníaco amoníaco humano. Corpo claustro, casto e serpentário. Corpo antro, logus, híbrido, cáustico.  Corpunculo de nada. Foz e lava. Crisálida flor dancarina de lagarta. Corpo movente de eras e hades. Corpo é  céu imantado de poeira e gases. Copo livro. Corpo livre. Corpo tu_do. Corpo eu toda. Corpo. Corpo...Corpo... Corpo barbutina , tabatinga, Goitacazes. Brumadinho.   Corpo- cidade. Sítio.  Lugarejo. Corpo viagem.  Corpo cigano, corpo botânico, herbário. Corpo templário.   Corpo sim! Corpo de veia e voz. Corpo tantra um tanto se gente assim... corpo carta. Corpo carta  dificil do caralho. Figurinha rara do baralho. Corpo bufê.  Cristaleira. Antiquário.  Corpo  enigma. Esfinge que se devora e agarra. Afaga. Corpo é  entranha e garra. Corpo salta , subtrai, amálgama, atravessa, permeia, irmana.
Corpo caxixi, cariri, tapajo, aluviá , corpo é afojuba!
 Corpo núcleo-caos, salamandra,
...
 Pausa
...
Corpo é pausa.  Pisadura. Ligadura.  Encrenca. Crença. Pensamento. Orgia de sensações e fascínio facínora. Incontrolável _mente fluxo. Refluxo. Calor queimadura. Corpo é tranco tronco desmembrado.  Colapso. Enrosco. Roedura de traça.  Corpo é Aleluia. Estado de graça!

 Corpo é silêncio e paz.

Alessandra Espínola 
Junho/2019.
Coisas de corpo e barro.
As fotografias da infância na estante. Amparadas pelas prateleiras do tempo e uma luz do poste que atravessa a vidraça da janela do quarto. Eu no meio.

Rio, maio. 2020
Alessandra Espínola
As vozes na rua embaixo da janela do quartinho... Embalam meu sono em outras histórias. A noite me cobre de gentes.

Rio, maio. 2020
Alessandra Espínola
Sinto me consternada demais hoje. Febril.
De repente, é so cansaço. E pra cansaços. Descansos de mim.

Rio, maio. 2020
Alessandra Espínola
Eu pensei gerberas, lírios e murtas.
Não ando gostando nada disso - de não ter palavras. Deste silêncio. Desta boca fechada. Desse jeito mudo. Sem fala.
Uma água que corre... corre... em desperdício.

Rio, maio. 2020.
Alessandra Espínola
Uma dor atravessa meu peito. Me engole ponta e cabeça.  Feito focinho e rabo. Me morde. Me engole. Um silêncio. Um fosso de hades. Um corpo, um corpo... sensação de nada ser.

Rio, maio. 2020.
Alessandra Espínola
Eu sei que tem morrimentos em mim. Eu sei que tem menstruação ida. Eu sinto o corpo cansado pesado colado a terra úmida fria salobra.  Eu ando cansada sem um abraço. Aí eu penso: quer matar o ser humano mais rapido é isolar. Ou definhar logo uma criatura é acabar com as possibilidades de encontro. Cansaço. Essa noite escolho ficar. Forjando o ato de morrer dormindo e descansando, apenas. Em maio , sempre as folhas caem. Sempre.

Rio, maio. 2020.
Alessandra Espínola
A noite se demora. Sem lua sol nem estrelas. É escuridão. Os astros devorados todos. Eu tô cansada. Porque toda vez que se fala em sexo é porque há alguma força pra viver.  E eu não tô vendo graça em re_nascer. Mas eu tenho umas mulheres que me dão as mãos, eu sei eu sinto, uns homens de desejo infindo. Eu sei. Eu sinto.  E sorrio com aquele mesmo sorriso da infância meio amarelado de tempo passado. Amanhece eu sei. Eu sinto. E um largo Sol na testa há de me escancarar o novo raiar do dia.

Rio, maio. 2020.
Alessandra Espínola
Sinto como se me tivesse cortado ao meio. Corpo de presságios. E abismos. Costurar vazios no meio do nada do caos da ilusão. Nem um outro bicho faz isso senão eu tu nós. Humanos nós.

Rio, maio. 2020.
Alessandra Espínola
É ausência de mim. Ver -me sombra sem o ser.
Coisa esquisita isso. Procurar as partes de si. Compor-se.  Cabeça tronco e membro. Coisa esquisita isso de não ter nem luz nem sombra na escuridão. A noite é longa. Maio me espera. Vou nascer em junho.
Rio, maio. 2020.

Nostalgia caindo sobre mim com seus lençóis noturnos.
Silêncio me conduz como quem atravessa com carontes as águas nebulosas desse tempo tão abatido. É lento o mover ... meu corpo pesado. O sopro frio cortante às minhas costas. A dor fina me tangendo os ossos até o fundo da alma.
Não reclamo. Nem elogio. Ouço o ranger do barco. Escuto os gemidos. Navego sobre o som movente das águas .

Rio, maio. 2030.
Alessandra Espínola
Tenho apreciado o cheiro do refogado do arroz da casa vizinha. O cheiro do peixe frito e temperado. Tenho apreciado os sons das casas. Crianças brincando. Pessoas andando. Objetos que caem. Vidro quebrando. Água escorrendo. Risos na ruas. Vozes bêbadas.  Músicas tocando longe em algum boteco. Portas batendo pelo toque do vento. Janelas tilintando à noite. Móveis estalam no silêncio. Miados de gatos. Talheres se chocando no prato. Taco de sinuca batendo na bola de bilhar. Vozes. Som de carro passando. Buzina de motos. Bola de bilhar de novo o taco o carro o gato os talheres vozes música motores água escorrendo portas batendo crianças... torvelinho do tempo. Vertigem.  A luz pisca querendo apagar. Luz. A música longe batendo na bola de bilhar . Taco batendo nos motores. Talheres miando. Buzina batendo. Porta tocando.  Vozes estalam e os móveis na rua gritam... vertigem.  O taco de sinuca na bilha de bolar. Passos no teto. Ja sou velha mas a noite silenciosa aprecia em mim a possibilidade de berço.

Rio, maio de 2020.
Alessandra Espínola
Tenho uma saudade de olhar para você. Sua imagem me fotografa nalgum tempo. Ver tua alma no olhar que sorri.  Não sei como dizer. Dá um gosto! Sinto saudades de olhar seu rosto assim como quem tomavamos café e a toalha sobre a mesa e seu sorriso saindo de mãos dadas com pensamentos. Perspicácia, sabedoria, poesia, arte, o tempo e a ruga, a profundidade de olhar o mundo do alto sem altivez. Sinto uma saudade de estar perto de ti. Um afeto que me veste, que me gesta de novo. Dá me teu olhar assim liberto. Faceira tua face. E essa esperança que se move nas coisas vivas. ⚘

Rio, maio. 2020.
Alessandra Espínola
A fala coloquei no vidro. Virar doce em compota. Meu coração em chama suspenso no ar. Guirlanda de sinos. Em dias de outono tudo fica suave. Nunca achei normal as coisas. Tanto que agora na 40tena  me parece que houve diferença nem uma. Acho até que a diferença tá nos agravamento das coisas pesadas.

Alessandra Espínola
Rj ,maio. 2020
IV - Canções de Outono

Eu estou cansada do tempo.  Perdi todas as definições.  Todas as certezas. Todas as dúvidas.  Perdi os sentidos de todas essas coisas que queremos dizer com nomes. Há uma altura da montanha que apenas olhamos e respiramos e continuamos. Perdi a conta dos dados. E meus dedos  buscam em vão no ar tocar a tua face. A distância nos plange e nos vela em meio a um tempo ameaçador de finados. Porém vivemos e sobrevivemos a essa noite funda que pesa sobre nós.  E sorrimos em respiro no auge do naufrágio. 
Você é lindo e ama o amor em semente. Só posso lhe dar essa fímbria de Sol e esse fio d'água.  Terra barro pedra e fogo que nos forja e arde e não se vê. 

Alessandra Espínola
Rio, maio de 2020.
III- Canções de Outono

Se teus olhos doces me aparecem na fúria  eu largaria o fósforo, a faca e a armadura. Por um instante eu deixaria o inferno e o caos. Mergulhados nos teus infindos teares. Eu amaria em paz.

Rio, maio de 2020.
Alessandra Espínola
II- Canções de Outono

Eu leria tuas digitais.  Na ponta da língua aprenderia teus códigos todos. Teus dedos digitando palavras secretas em meu pergaminho.  Guardaria qual tesouro dentro de minhas pequenas gavetas. A noite recordaria a minha cabeceira tuas palavras no meu peito  sob uma luz suave de lua outonal.

Alessandra Espínola
Rio de Janeiro, maio de 2020.
I - canções de outono

Vereda de sol e vento. As folhas aqui acariciam o chão ermo.  Tocam o bruto existir com delicadeza sutil  e cobrem a terra com um macio de cores. O som das folhas lembram os antigos discos de vinil tocando na vitrola. O sol acalenta a triste solidão e uma nesga de lágrima rola na pele seca da face do dia. É dia ainda em nós.  Entre nós essa luz nos aproxima e dá à distância um momento de paz e nos lembra que tudo é  vida . Tudo : mesmo as coisas  insólitas ,passageiras e voláteis.  Tudo : mesmo as coisas que perduram, transitam e penetram.
Tudo é vida: mesmo as coisas vazias dentro. Como útero que não pariu. Tudo é vida: como o coração que se de_bate em amor.

Alessandra Espínola
Rio de Janeiro, maio  de 2020.
O cheiro do refogado do feijão cozido que vem da casa da vizinha e a galinha frita temperada perfumam a tarde de afeto e uma essência de lar caloroso.

Em frente a minha janela, na calçada, homens se aglutinam e carregam móveis em uma mudança de familia da casa  à frente. 

Um homem pende a cabeça, bêbado e solitário, sentado na cadeira de um boteco ao lado. Soube que ele havia desmaiado fim de semana quando ia ao trabalho.

Minha gata dorme aconchegada numa manta rosa que ganhei de uma amiga do trabalho.

A luz do outono me entra bem pelos olhos. Eu sinto que fico bem melhor nessas suavidades porque sou delicada.

A tardinha é quando os cães ficam no peitoral das janelas e olham a rua de seus apartamentos.

No outono o sol vem de lado, assim inclinado como um ramo de trigo. Um fio de luz costurando a tarde. Quando chegar a noite vai aparecer aquele azul marinho do fundo do céu.

Procuro me desatender de tragédias. Elas acontecem nos trânsitos da vida. Mas meu pensamento e meu olhar são para o exato instante em que escrevo e tem toda a questão da beleza explodindo diante de mim acontecendo agora em meio ao desmoranamento das coisas.

Às vezes eu me planto é  de cabeça pra baixo.

Rio, maio de 2020.
Alessandra Espínola
Existem coisas nas quais eu penso que falei mas não.  Estão como fotografias na minha cabeça.  Meu olhar capta todas as nuances e as palavras saem como aqueles matinhos beirando paredes altas ou nos musgos do meio fio.

A manhã se desenrola calma e uma caneca ressaltou a lembrança quente de minha mãe quando todos os dias tomavamos café juntas antes de eu ir para o trabalho. Ela cega fazia questão de fazer o café e todas as outras coisas na cozinha. Usava faca com maestria e dizia para eu ter cuidado porque estava amolada.

Mas o presente de hoje é toda herança que trago das mulheres de minha familia. Trago em mim os traços da bisa avó mãe tias primas. Ainda que na distância geográfica. E por isso mesmo recolho a história nas manhãs brotadas de silêncio entre as gelosias.

Rio, maio de 2020.
Alessandra Espínola
Terceiro dia noturno:

Abrir a janela e dar luzes a todas as estrelas penduradas no teto. Lustres celestes. Consagrar a lua na casa da noite. Acender olhos de gatos farol furta cor. Desvelar a dor. No tato. Mexer no barro noturno livremente como morcego que sobrevoa o som. Sonhar bem debaixo do nariz. Dar fôlego ao peito e passo ao caminho. Tramar a rede de retalhos e um corcel de peixes. Parir cardumes de ondas no mar. Ventar suavemente o veleiro. Ultrapassar a margem e revolver o rio ser leito. Luar embarcado nos olhos. Nuvens neon. Num pedaço de espelho ver me a olho nu. Pretéritos e futuros se habitam em lampejos num dejavu. Abrigo de ser clandestino no peito.

Alessandra Espinola
Diário de Cartas 2:
*
Sabe que de melhor hoje foi você o que ocorreu. O campo verde de terra estrangeiro meio familiar se confunde e se mistura com o azul de um mar inteiro a caber nos teus olhos. Como quem voa de cabeça para baixo. A noite penetrava entre nós e eu colhia de tua face os escritos do tempo. Raízes. O tempo esteve o tempo todo em nós.  Que quando soava a pergunta onde você estava, eu em silêncio sempre respondia apenas sendo. Cigana. Canina. Menina. Raposa. Volátil. Escorregadia.  Distraída. Mulher... Impossível até de mim. Impossível o encontro. O lance do olhar capaz de acolher. Cadê? Perdemos será? Qual perdas no tempo. Os caminhos se bifurcam num virar de esquina e já vamos longe...distantes. Com o desejo primitivo voraz de se dar.
Eu alisava à palma das mãos o teu rosto com gosto como se logo me dissesse adeus. Sabíamos. O gosto que fica. Doce absinto o luar. Li a tua história no aberto livro do teu peito.Como braile lia teu corpo-alma  desnudado. Meus lábios colhendo teus frutos a flor a pele o lábio a língua carinhosamente espancando músculos. Teus nervos em desassossego me tremiam no fundo de um beco. No porão do tempo o futuro se impôs num presente surpresa. E você de repente era tudo o que sempre quis.
Um beijo!
Alessandra Espínola

...dá-me o teu tempo comigo, comunga de teu fluxo, de tuas dores, traumas, belezas, virtudes, caminhemos o caminho, o passo sem pressa, sem ...