A tarde vai deitando com suas nuvens de sal e amoníaco. Não, espera. Há um vestido azul que balança nos ares. Lentamente. A dama classuda da noite com seu perfume de murta e alfazema. Um silêncio se apodera das ruas de sábado. As janelas das casas fechadas e os cães calados me intrigam. Abro a cortina e antevejo os pássaros com bilhetes no bico. Poemas de outono - penso. As telhas das casas estão velhas. O barro escurecido do tempo está da cor dos mortos deste país. Cinzento demais em algumas partes. Um cinza molhado , sabe ? Não tenho gosto de comer nada. A saliva grossa na língua. Boca fechada. O olhar voa pela janela. O morro a frente. Tantas casas luzes acesas a igreja apagada no topo. Parecem estrelas no céu. As luzes dos postes acendem e pincelam as vidraças anunciando o quê! Como sino que toca... você sabe. Há um fastio nos objetos da casa. Alguém no boteco ensaia o choro do cavaco.. não, espera. É cuíca. Cuíca também chora. Vozes de homens vão se acalorando entre si. Uma poeira cobre a superfície dos dias e esfria atmosfera com essa cor de terra cinza e memória.
Rio, junho de 2020.
Alessandra Espínola
quarta-feira, 17 de junho de 2020
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