quarta-feira, 29 de novembro de 2023

 diário

exumação do silêncio, é preciso. abrir o túmulo, mover a pedra...  o papel de seda na gaveta embrulhando umbigo, o cheiro do passado amarelecido, o peito aberto pausado, sangrando ainda, a lágrima corre meus músculos à dura pena, tinta, papel e barro que lentamente vai dissolvendo ou queimando no forrno do tempo...  

Alessandra Espinola

terça-feira, 28 de novembro de 2023

 Diário

Janela aberta. a cortina cinza balançando suavemente se abre numa brecha de luz. o quartinho todo acende de um brando Sol . o corpo lasso no chão se move lentamente procurando sentidos. lembro-me ainda dos resquícios dos sonhos noturno, e os deixos ir como pássaros que voam. 

frusto-me  ao levantar e descobrir que o pó de café do pote acabou. já é fim de mês e aquele cheirinho da infância que me nutre diariamente se esvai na luta pela sobrevivência. mas não há perda, acordar e estar viva é perceber que a despeito da falta das coisas todos os que amo e já morreram vivem aqui em mim e comigo e me dão toda esta vida para que eu resolva logo a falta do café. toda a névoa se desfaz quando olho pra o que importa, para as pessoas e o que elas me deixam impressas na memória , no coração, nos raros instantes em que estivemos juntas, 

encontro sentido para além das coisas, o cheiro do café me envolve por dentro e passo em meu coador interno, e nesta fonte de águas abundantes que borbulham a xícara fica cheia.

alessandra espínola

Rio, primavera de 2023.

segunda-feira, 27 de novembro de 2023

Diário

os estranhos do mundo são meus amigos, o estrangeiro, o atípico, o exótico  o expatriado, o exilado, o imigrante, o distante se tornaram íntimos, minha familia da raíz à ponta da folha, lá onde o orvalho goteja e retorna à terra. como uma lágrima que molha a face na solidão, amanhece e escorre. em meu ventre útero toda a humanidade, em meu peito ardendo a vida pulsando... sístoles e diástoles...como ciclos dos vulcões em erupção. eu : aberta de boca em aleluia ao céus a terra jorra seu magma, ebulição tranformadora, renasço, mas é lento, aos poucos, devagar como um desencasular até o último raio fulgente de luz e asa batendo. eu sou a imensidão. o coletivo habita minha intimidade.

alessandra espinola

Rio de Janeiro, primavera de 2023

quinta-feira, 2 de novembro de 2023

{para Diego}

sei que o amor dança como serpentes dentro das carnes dos homens feito sol explodindo . cardumes dentro dos corpos . como a lua que mergulha em sua terra profunda , o amor se enaltece nos corpos dos bailarinos, é sua morada, sua exaltação. está em casa o amor, e é como um abridor de latas para rasgar o ventre do espaço, nascedouro o amor nos corpos dos bailarinos, por isso nunca cabem em ventre algum , veja: estão sempre em movimento. os pés num impulso como se saissem do fundo do poço ou dos oceanos de volta à superficie das águas, como se respirassem pela primeira vez e dói o amor nos pés que como pulmões em pleno grito não solto tangem os músculos no corpo, o ventre se abre, e então é luz. e tudo é abrigo no passo que alça voo e solo,  a rua,  o céu aberto , o chão, o amor dança na anca dos seus pés  - alucinada miragem fugaz veloz voraz , o amor sabe os corpos dos bailarinos. 


Rio, 02. novembro. 2023

 branda lua

 encantada no lago

 palco de silêncio - dia finado

**

a vela derrete no altar

frutas e flores aos mortos

coração ex_posto

**

findo dia

entrego o corpo ao tempo

o ser não se desfaz


Rio, novembro de 2023

...dá-me o teu tempo comigo, comunga de teu fluxo, de tuas dores, traumas, belezas, virtudes, caminhemos o caminho, o passo sem pressa, sem ...