terça-feira, 6 de novembro de 2018

Pensações

 Rio, novembro de  2018.

Que são aqueles que escrevem poemas? Seres imprestáveis e de uma subjetividade transparente. Penso que o objetivo passa pelo subjetivo de um ser que se desloca em si mesmo vasculhando e investigando seus passos e seus compartimentos em cena. É um eu sendo caça  e caçador a um só tempo. E pode? Só é possivel. Não tem o menor objetivo de possuir a coisa. Não tem o desejo de posse pelo que contempla em deslumbramento de beleza e estranhamento, claro! Possui em si uma natureza sagrada que lhe dá pulsação e desejo de saber os mistérios, o prazer de conhecer de saber e de estar com o que se é. Em estado de integridade quando também adoro meus demônios que não sou besta, e nisso não nego que é com um pouco de luxúria e fúria. Depois, dou-me em sumiço até que eu consiga acalmar e conciliar todo esse meu destino do qual não fujo, embora , às  vezes, tenha pouco paciência. 
O que mais me espanta e sempre de algum modo fugi foi desse amor absolutamente incondicional pelas Artes,  todo tipo de arte  e pela Beleza em seu estado puro , harmônico nos seres e dos seres, tanto na natureza, nos objetos como nos Homens  (e nas Mulheres, claro!). 

Alessandra Espinola
Simplicidade do Ocaso

A noite vem lentamente em tom lilás sobre o cheiro de chuva.  Contudo, minha agonia pulsa dentro da nuvem em estilhaço. E quando, distraída contemplo a lua apreendida em retalhos como um enigma, sondando o plexo aberto da noite, com seu fio de contas simples,  uma onda de búzios no lago narra sua luz como um colar de prata no peito negro e nu  do ocaso.

Alessandra Espínola

Rio, outubro de 2018.

Penso Sensibilidades e desabafos :

Há um rio cujas águas mudam o movimento  e direção. Não se pode ouvir as águas ao fundo que corre na direção  contrária ao que parece na superfície . Peixes anunciam aos barcos atracados que é possível chegar a outra margem.  Numa diagonal cujo trajeto  se dá mais esforçoso e alongado entre lua e sol. Nem lua nem sol. Depois das chuvas. No cair agonico da noite. No parir atômico do desaparecimento. A terra amalgama - a memória de - seus ossos, reúne paliçadas e, marcha em voraz silêncio. Uma mulher vocifera luciferana e sangra quarentena limpando vestígios de dor, perdas, prisões, abusos, algemas,  morte do ver sob amonias, quarto -frio-forte, choques, balas de borrachas, ...pimentas, . Cruz e flor nas encruzilhadas dos séculos mapeiam a trajetória fúnebre e apontam para o mar. Não ha mais acampamento para o passado. A transgressão é  que abre o mar. Mais que resistir. Avançar. Com dentes-de-sabre. Em cânticos de amor, angola e Bach.
Então...
Baleias sobem à superfície.
Sépias arrastam navios e aviões ao fundo mar.
Éguas noturnas sobem dos oceanos. Revisitam litorais, estradas, cancelas, faróis.
Cavalos, cães, morcegos lancetados nos ares. A boca da escuridão. Emboscada de serpente. Covas de crianças mortas vivas. Se levantam em chamas gritando suas mães.
Foice nos dentes. Na língua, o poema em riste.
O fantasma se fantasia de terra e céu. Esquecido que mar tranquilo também  é perigoso. E com as visceras em putrefação. A múmia esboça movimento. Mas o que se levanta é o gigante pela própria natureza.

Alessandra Espinola
                             Rio, outubro de 2018.

Estou em estado de fúria porque amo intensamente.
No peito, um outubro de tigres. Na anca maritima e no costado de escamas fibrila a medusa de esporas.  Batalha de agonias como um verão prestes a invadir o perfume de pétalas e fósforos. Uma seda sangrenta nos dentes esse coração florido de selvageria espessa. Ensopando o corpo de bocas, coxas, peitos, sêmen,  e um colar de lágrimas e seivas gritando gemidos no trevo da garganta. Cravo o desafio das digitais no sabugo das unhas e entranhas, a sangue frio como um carpinteiro de salivas líricas. Camadas de arrepios, declarações de amor e ódio, profecias, tudo na rude confusão suada da carne, do vapor nas narinas e da urina mapeando a tortura dos passos. Os dias palpitam no umbigo de sol e no ventre de trigo. Iodo perfurando os olhos. Cavo a cintura de sátira. E a virilha de safira e ânfora.  Língua cravejada de lobos e labirintos de faunos sustentam o exílio de ocos . Sangue de veludo se agasalha na morte de carnes e beijos até à fadiga desse abismo de medula trêmula sobre a fúria do sino em chama. Tempo de punhais, bandeiras de âmbar, e o negro vermelho nos portais. Ancestrais  e antepassados contemplam os contemporâneos na antecâmara do naufrágio e a cinza névoa atraca os pórticos das fronteiras insubmissas. A vulva palpitante de treva e ferida de fúria se dissolve funesta na terra cega e nas escadarias do túmulo de sal, raízes transcorrem como um caralho sob a côncava sombra dos pés escarlates de mármore. Eis o cárcere do silêncio.  Contemplamos o inferno!

Alessandra Espinola

...dá-me o teu tempo comigo, comunga de teu fluxo, de tuas dores, traumas, belezas, virtudes, caminhemos o caminho, o passo sem pressa, sem ...