quarta-feira, 17 de junho de 2020

A estrada é pedregosa. Mas eu, eu também já fui pedra...  Teimosia de vida essa! De caminhar retirante,  desassossegado e nômade. Meus pés se plantam é na esperança.

Alessandra Espinola
Eu sei que em meus olhos tem todo esse silêncio que se move em mim como as marítimas silenciosas. Sei que meus olhos tem a melancolia da solidão insone e que tudo não passa de um momento.  O momento é esse modo tranquilo de olhar as coisas e é como a lua tem de percorrer o céu. As vezes impetuosa mesmo mas é ainda assim de modo atento. Tudo me ocupa os espaços e transborda como por do sol e nascer do sol que sangra... como a lua quando fica em chamas. E há algum espanto belo e não se tem o que dizer. Senão o silêncio de quando nos sentimos sendo o próprio tempo. Se desmanchando... no tempo. Nada tomarei para mim quando me for a hora.

Rio, junho de 2020.
Alessandra Espínola
Quero seguir a noite com meus ossos intactos. A voz posta sobre a cômoda. Palavras fechadas bem guardadas como em caixinhas de madeira para jóias. Preciso da vida das ruas dos cafés abertos de um sofá num hall uma poltrona numa livraria preciso tocar de novo tua face sob essa lua num banco de jardim.  Preciso sentir teu cheiro quente exalando dos cabelos frescos e grisalhos desde tão jovem e tua nuca nua amparar meu beijo. Preciso do lar aqui dentro sem restrição de plantas bichos música silêncio e os dialogos que correm alta madrugada. Porque falo sozinha quando tomo banho.Te ouvir em todos os gestos mínimos e distraídos.  O abraço acolhendo minha solidão.  O abraço acolhendo meu silêncio profundo. Preciso só  disso: de nada dizer.

Rio, junho de 2020.
Alessandra Espínola
uivos e gritos sem pudor a noite obtusa. corpos nus expostos a céu aberto. lua embaçada no manto azul da noite inebriada de rosas. solfejos de glória e dor. fonte extasiada de flores. espinho as avessas, cravados.
balsamo no que arde e foice no que fere.

Rio, junho de 2020.
Alessandra Espínola
Sempre que mergulhamos, em determinado momento, nos falta  um pouco de ar, a visão fica cada vez mais turva, uma escuridão parece se aproximar e tomar conta da gente, a pressão vai tirando nossos sentidos, já não ouvimos mais som algum e quase se perde a consciência dado mergulho cada vez mais profundo e intenso e a gente se mantém de cabeça... e mergulha leve como que se entregando à fundura de um infinito estonteante de amplidão e beleza. Porque chega uma hora em que nada pode ser feito senão se entregar. De repente, chegado ao fundo descobrimos que é infinito flutuamos no sem fundo daí que a luz cintilante  e fluorescente mais alva brota da mais abissal escuridão solidão silêncio então é quando a gente se funde a essa luz num todo único, e de repente tem azul e tem luminescências vivas e nos tornamos essa imensidão azul sem fim.

Rio, junho de 2020.
Alessandra Espínola
Os meus dias estão tristes como flores secas no jarro sobre o mármore.
A luz do dia agrava seu sussurro opaco da terra molhada.

Rio ,junho de 2020.
Alessandra Espínola
Pois foi. De manhã eu vi a luz do sol nascendo. Antes era escuro ainda. Longa demora. Noite adentro em mergulho. Madrugada agonica. O galo cantava sem parar. Eu ouvi e olhei pela janela o céu escuro e turvo e o galo cantava. Sem parar. Levou mais uma noite inteira pros primeiros raios de sol saírem.  Quando dei conta de cores inéditas levantei e me misturei com os céus.   Pensei ser o começo de tudo. Um novo mundo se fazendo. Eu estava mais uma vez só. Com a coragem de levantar sobre as incertezas e abrir a janela ao inesperado.

Rio, junho de 2020.
Alessandra Espínola
Precisava dormir uma vida inteira. E sonhar roçando os pés nas emendas da colcha. A solidão cria fastio, as vezes.

É certo que a névoa embaça a janela. E não há certezas do que há em parte alguma quando se está do lado de fora. Dentro é vertigem. E lua.

Rio, junho de 2020.
Alessandra Espínola
Rasgar o ventre e retirar todos os filhos mortos.

A dor é  como uma vida excessiva de uma pedreira.

Atingir o cume e depois partir. Pra onde? Onde ir se não há mais. Senão nebilna. E caos.

Rio, junho de 2020
Alessandra Espínola
Parece que a gente perdeu a noção do limite. Precisei romper como a aurora irrompe o dia.  E dói.  Dói morrer um pouco a cada dia. Hoje vi o amanhecer mais belo de toda minha vida. No céu, eu vi as cores incendiadas uns roseados dourados. Cristalinas nuvens. Quis tirar foto ou chamar quem por perto estivesse.
Foi um deslumbre do que há de mais belo na vida. Embora os mortos ao redor. Embora o sangue secando das feridas. Embora toda ausência solidão e silêncioso vazio. Embora...

Rio, junho de 2020.
Alessandra Espínola
Meu peito é uma roseira em chamas.
Furna e caixinha de música descobertas na gaveta última.

Sabe aquela sensação de que a pessoa que você ama morreu? É assim.

Rio, junho de 2020.
Alessandra Espínola
É da natureza do fogo queimar. Arder. Crepitar. Destruir. Renovar. Transformar. E como ? Como prender o fogo?
Tenho a sensação de que às vezes se tenta prender o fogo. Não há como prender o fogo!
Ele é livre. Quando aparentemente apagado é que ele mais vive. Em seu estado primevo e transformador. Sei que a vida em silencio se renova em mim.

***

é dia ainda
o perfume da rosa
brota para fora do muro

Rio, junho de 2020.
Alessandra Espínola
Há dias em que me sinto estranhada. Como se dia fosse um lugar. Como se tempo fosse esse unico lugar que habito. O tempo de eu estar e ser . Quando chega a hora da noite cair ela desce como um cavalo caindo de um arranha céu, a velocidade vetiginosa de um mundo que fora erigido por milênios e desaba veloz feroz voraz e pesado à força desmedida dos loucos e o sentir-pensamento  dos cascos e crinas nas alturas em queda e voo circulares elípticos mas que adentra e transforma. Por vezes em desalinho inusitado. Assim com peso aparentemente leve, só que tem que há uma densidade própria de seres como eu, que por vezes não se aguentam e transbordam. Os cabelos parecem fios desencapados nos ares. As mãos movem o barro úmido. A boca anseia o hálito. O fôlego incendiado no peito. A visão se turva quase em noite completa e o corpo exangue simula o trânsito da vida. O ato de sonho na realidade.

A palavra se constrói diante das cortinas abertas ainda que o tempo lá fora esteja escuro ou a neblina do olhar se faça mais acentuada e tudo parece ruir. Só que o rio corre e todas as águas seguem seu fluxo ainda sob a névoa do amanhecer.
É dia e a casa amanhece enfim mais uma vez!

Ah... o cavalo galopa e voa. Quedar abismar estremecer é próprio dos seres que avançam atravessam vazios caos longas escuridoes e se arriscam a viver. Agora! E a vista deste instante é bela. Há mesmo um afeto caloroso em viver que é quando o cavalo aterrissa, para e toca a nossa face num afago de cabeças. O quê de nós!

Rio, junho de 2020.
Alessandra Espínola
A noite vai alta e o desassossego dos animais noturnos se revela no clarão da lua e o das crianças inquietas se revela no andar de cima. Gosto tenramente dos sons que as criancas fazem quando brincam seja qual hora for. Me dão um alento que nem sei dizer. É um tuc tuc é um reco reco é um tum tum tarum que vou me embalando segura na infância dos que habitam a vida comigo neste tempo de agora. E de madrugada quando ainda fazem sons curiosos não me espanto não me assusto sei que são elas correndo pulando rindo trombando com o bicho papão de todos nós... e minha insônia agitada de repente se desmancha... e na calmura de que estou perto e cercada de crianças algo em mim descansa e dorme como um anjo.

Rio, junho de 2020.
Alessandra Espínola
A tarde vai deitando com suas nuvens de sal e amoníaco.  Não, espera. Há um vestido azul que balança nos ares. Lentamente. A dama classuda da noite com seu perfume de murta e alfazema. Um silêncio se apodera das ruas de sábado. As janelas das casas fechadas e os cães calados me intrigam. Abro a cortina e antevejo os pássaros com bilhetes no bico. Poemas de outono - penso. As telhas das casas estão velhas. O barro escurecido do tempo está da cor dos mortos deste país. Cinzento demais em algumas partes. Um cinza molhado , sabe ? Não tenho gosto de comer nada. A saliva grossa na língua. Boca fechada. O olhar voa pela janela. O morro a frente. Tantas casas luzes acesas a igreja apagada no topo. Parecem estrelas no céu. As luzes dos postes acendem e pincelam as vidraças anunciando o quê! Como sino que toca... você sabe. Há um fastio nos objetos da casa. Alguém no boteco ensaia o choro do cavaco.. não, espera. É cuíca. Cuíca também  chora. Vozes de homens vão se acalorando entre si. Uma poeira cobre a superfície dos dias e esfria atmosfera com essa cor de terra cinza e memória.

Rio, junho de 2020.
Alessandra Espínola
Sou atraida pela solitude. E tudo o que existe me atrai. Num desafio de vida. Sangue lama barro lágrima. Cabelos mãos baratas mortas pela manhã no chão do quarto músicas da rua o horror das madrugadas vidros quebrados  no meio da rua tudo entra no meu mundo com atributo de matéria prima materia viva mosaico humano colagem dos primeiros sinais de vida. Levanto me da cama como que atrasada para pegar algum trem. A solidão me atrai. E me seduz. É um estado de cintilância uma mão dentro de mim saindo com toda vida me trazendo o que chamarei de nascimento. Pisar o nada. Se despir. Não, não há susto nem medo. É o desconhecido que apenas me convida em silêncio.  O encontro.  O risco sagrado de viver. O desconhecido e eu esse  mistério solitário que só eu sei. (Ou vou me sabendo aos poucos) no cotidiano aos poucos sem me proibir de morrer. E de me aceitar como possivel conforto em mim mesma e possibilidade cada vez mais de encontro com o que sou. Tudo me diz ser: a barata virada de barriga pra cima esperneando suas mil patas. A aranha na quina do teto. O musgo que cresce verdissimo do lado de fora da janela. O rosto fugaz no espelho. Os pêlos cortados no chão do banheiro. A curva profunda dos seios. O olhar pelo olho mágico como quem estivesse do lado de fora olhando o dentro.  O vôo das gaivotas sobre o mar a pedra e as ondas. A noite com seus sons. E a manhã como placenta que dá esse gosto na minha boca.

Rio, junho de 2020
Alessandra Espínola
A tarde vai deitando com suas nuvens de sal e amoníaco.  Não, espera. Há um vestido azul que balança nos ares. Lentamente. A dama classuda da noite com seu perfume de murta e alfazema. Um silêncio se apodera das ruas de sábado. As janelas das casas fechadas e os cães calados me intrigam. Abro a cortina e antevejo os pássaros com bilhetes no bico. Poemas de outono - penso. As telhas das casas estão velhas. O barro escurecido do tempo está da cor dos mortos deste país. Cinzento demais em algumas partes. Um cinza molhado , sabe ? Não tenho gosto de comer nada. A saliva grossa na língua. Boca fechada. O olhar voa pela janela. O morro a frente. Tantas casas luzes acesas a igreja apagada no topo. Parecem estrelas no céu. As luzes dos postes acendem e pincelam as vidraças anunciando o quê! Como sino que toca... você sabe. Há um fastio nos objetos da casa. Alguém no boteco ensaia o choro do cavaco.. não, espera. É cuíca. Cuíca também  chora. Vozes de homens vão se acalorando entre si. Uma poeira cobre a superfície dos dias e esfria atmosfera com essa cor de terra cinza e memória.

Rio, junho de 2020.
Alessandra Espínola
Quando olho pela fenda da fechadura vejo o mar , pássaros nos galhos em pontos de voo, vejo montanhas já pela metade e um rosa fulvo no céu azul branco alaranjado. Olho pela fechadura e vejo crianças correndo pelos vales, um gato feito esfinge na grama. Uma pedra enorme e uma mulher tomando sol ouvindo as ondas suaves lambendo a rocha. Ela suspira, sorri abrasada e vira a cabeça pra trás num gesto de entrega e confiança.  Olho pela fechadura e o mar não acaba. O vento balança o cabelo da mulher e ela se mexe como uma nereida ou sereia sei lá que canta. Sim ela canta em silêncio o que me parece bem curioso. Olho pelo buraco da fechadura e o dia é deslumbrante em seus tons pasteis. Algum brilho se estende na colina e sobre a superfície das águas.  Sinto o suor escorrer pelo meu rosto e me salga esta paisagem viva. O pássaro voa alto e desce em círculos numa dança infinita. É tão mais amplo o biraco da fechadura que parece possuir uma lupa quando aproximo o olhar e lá está a formiga no seu montinho de areia , ah sim uma fileira delas com pedacinhos de folhas verdes sobre si.  São fortes. Simples e ágeis. Silenciosas... oitros pássaros sobrevoam o mar e juntam se ao primeiro e formam uma grande quilha em direção ao norte. A lua plena no céu não compete com nem uma luz. Apenas reflete cada vez mais o quanto de sol ainda há de brilhar.
Pelo buraco da fechadura eu vejo tudo. E é assim que é.

Rio, junho de 2020.
Alessandra Espínola
Eu tenho medo de cair no chão.  Sou sensível demais e sei o quanto dói tudo em mim. Por isso sempre estou me preservando ao máximo e tentando me equilibrar entre os ímpetos vorazes de desajeitamentos. Porque sou capaz de quebrar copos com a força da mão.  Esmagalhar formigas. Flores inteiras e rasgar as verduras de modo abrupto e agressivo. Sou capaz de carinhos brutos. É que sou tosca e primitiva. Como o invisível do fogo.

Rio , junho de 2020.
Alessandra Espínola
Quando olho no retrato a minha imagem quando pequena não me corrijo mais de ter nascido. Olho para aquela menina com tão grande amor e ternura e alegria que penso que ela poderia ter sido minha filha. Eu mesma. Há momentos que tenho estranhezas delicadíssimas e extremas de amor.

Rio, junho de 2020.
Alessandra Espínola
Ah como sou delicada e meu corpo parece tênue neblina blue. Rosa anjo coisa cálida mergulho do fogo na luz. Ah meu corpo de sombra - não, não é escuridão -, é sombra suave que confronta a luz. Olha nos olhos e me torno o próprio afago. Carícia lenta, banquete de entrega e revelação. Meu corpo um gás volátil inadequado a grilhão , a padrão, a critério. Meu corpo dói a regra. Passeio com a intensidade de luz indireta da tarde outonal num jardim de miragem. Eu de fisionomia difusa me íntegro e me intrego inteira ao todo que é a vida.

Alessandra Espínola
Rio, junho de 2020.
Existem coisas nas quais eu penso que falei mas não.  Estão como fotografias na minha cabeça.  Meu olhar capta todas as nuances e as palavras saem como aqueles matinhos beirando paredes altas ou nos musgos do meio fio.

A manhã se desenrola calma e uma caneca ressaltou a lembrança quente de minha mãe quando todos os dias tomavamos café juntas antes de eu ir para o trabalho. Ela cega fazia questão de fazer o café e todas as outras coisas na cozinha. Usava faca com maestria e dizia para eu ter cuidado porque estava amolada.

Mas o presente de hoje é toda herança que trago das mulheres de minha familia. Trago em mim os traços da bisa avó mãe tias primas. Ainda que na distância geográfica. E por isso mesmo recolho a história nas manhãs brotadas de silêncio entre as gelosias.

Rio, maio de 2020.
Alessandra Espínola

...dá-me o teu tempo comigo, comunga de teu fluxo, de tuas dores, traumas, belezas, virtudes, caminhemos o caminho, o passo sem pressa, sem ...