quarta-feira, 17 de junho de 2020

Sou atraida pela solitude. E tudo o que existe me atrai. Num desafio de vida. Sangue lama barro lágrima. Cabelos mãos baratas mortas pela manhã no chão do quarto músicas da rua o horror das madrugadas vidros quebrados  no meio da rua tudo entra no meu mundo com atributo de matéria prima materia viva mosaico humano colagem dos primeiros sinais de vida. Levanto me da cama como que atrasada para pegar algum trem. A solidão me atrai. E me seduz. É um estado de cintilância uma mão dentro de mim saindo com toda vida me trazendo o que chamarei de nascimento. Pisar o nada. Se despir. Não, não há susto nem medo. É o desconhecido que apenas me convida em silêncio.  O encontro.  O risco sagrado de viver. O desconhecido e eu esse  mistério solitário que só eu sei. (Ou vou me sabendo aos poucos) no cotidiano aos poucos sem me proibir de morrer. E de me aceitar como possivel conforto em mim mesma e possibilidade cada vez mais de encontro com o que sou. Tudo me diz ser: a barata virada de barriga pra cima esperneando suas mil patas. A aranha na quina do teto. O musgo que cresce verdissimo do lado de fora da janela. O rosto fugaz no espelho. Os pêlos cortados no chão do banheiro. A curva profunda dos seios. O olhar pelo olho mágico como quem estivesse do lado de fora olhando o dentro.  O vôo das gaivotas sobre o mar a pedra e as ondas. A noite com seus sons. E a manhã como placenta que dá esse gosto na minha boca.

Rio, junho de 2020
Alessandra Espínola

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