quinta-feira, 26 de junho de 2025

 Subi os degraus em silêncio.

Abri a porta . Rangido. 

Era noite e as estrelas observavam a luz acesa na casa. Candeeiro. Frio. Fastio do ordinário cotidiano da cidade turbulenta. 

As vozes dos homens na sala corriam a madrugada como um pequeno alvoroço em dia de futebol.

Nada de mais. Nada fora do comum e habitual. Um homem se despede - com certa pressa, meio ligeiro, em agito, como de costume lhe é seu sentir , assim como se houvesse sempre uma ameaça,  uma tensão, a ânsia da perda, do parto, do abandono. E, logo o ronco do motor.... do carro e de seu peito aflito, naufragado em crises pessoais.  Bêbado de emoções emergidas e expargidas - espumas de copo corpo casa couraça. O silêncio então acolhe a noite em seus braços. Um certo alívio. Um calmo aluvião parece agora orquestrar os passageiros em voo. 

Alguns sons ainda dentro da casa são vivos,: a criança que chora e chama sua mãe,  um homem fala ao telefone com alguém- parece sentado numa poltrona, a forma como sua voz ecoa revela seu desconforto na cadeira confortável.  A mulher parece dar o peito à vida nascida. 

Um outro homem surge da cozinha com o copo na mão. Esticam a noite conversando  como dois comentaristas de campeonato carioca de fé e futebol.

A criança volta a chorar, chamando a mãe. A janela se fecha e o ar esquenta antes de chegar aos pulmões.  Parece que em outro quarto nasce uma criança.  

Cabeça pra baixo. Insuflam pulmões.  E a gritaria recomeça. 

Nessa hora, Schumann toca sua sinfonia e eu durmo com o livro aberto, o andar da história pausa perto do fim. 


Alessandra Espinola 

Rio de Janeiro,  outono frio de 2025. 

Um comentário:

  1. Que prazer, tua construção de cenário nos ambienta de forma acolhedora. A última linha é um doce.

    ResponderExcluir

 Subi os degraus em silêncio. Abri a porta . Rangido.  Era noite e as estrelas observavam a luz acesa na casa. Candeeiro. Frio. Fastio do or...