O cheiro do refogado do feijão cozido que vem da casa da vizinha e a galinha frita temperada perfumam a tarde de afeto e uma essência de lar caloroso.
Em frente a minha janela, na calçada, homens se aglutinam e carregam móveis em uma mudança de familia da casa à frente.
Um homem pende a cabeça, bêbado e solitário, sentado na cadeira de um boteco ao lado. Soube que ele havia desmaiado fim de semana quando ia ao trabalho.
Minha gata dorme aconchegada numa manta rosa que ganhei de uma amiga do trabalho.
A luz do outono me entra bem pelos olhos. Eu sinto que fico bem melhor nessas suavidades porque sou delicada.
A tardinha é quando os cães ficam no peitoral das janelas e olham a rua de seus apartamentos.
No outono o sol vem de lado, assim inclinado como um ramo de trigo. Um fio de luz costurando a tarde. Quando chegar a noite vai aparecer aquele azul marinho do fundo do céu.
Procuro me desatender de tragédias. Elas acontecem nos trânsitos da vida. Mas meu pensamento e meu olhar são para o exato instante em que escrevo e tem toda a questão da beleza explodindo diante de mim acontecendo agora em meio ao desmoranamento das coisas.
Às vezes eu me planto é de cabeça pra baixo.
Rio, maio de 2020.
Alessandra Espínola
terça-feira, 26 de maio de 2020
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