sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

Fragmento

 Chove. E vem no som da chuva os passos de minha mãe. Hoje, quando no meio da floresta replantando guapuruvus, ipês e pau brasil ouço a música  das pegadas úmidas tocando minhas mãos enquanto mergulho no berço da terra  as mudas em cuias com a mesma medida de  quem é parteira e tem a morte e a vida  nas mãos desde os tempos imemoriais. Ah as raízes expostas - eu gosto !-algumas já habituadas para fora outras cavadas até o profundo da terra onde eu gosto mesmo de ir em afundar  as mãos penetrar e ir de barro até o sabugo das unhas...Subir pelo caule podar . Retirar as lianas.  Desafogar dos capins. Puxados pela raiz como que cabeças nascidas ao mundo. Não, os capins não são de todo ruins.  Eles cumprem em si sua  benévola natureza sustentando a terra de desmoronamentos na falta de trabalho produtivido (dos homens) na flora nativa. Até rimou sem querer. No lugar dos capins vão as mudas nativas que em si tem a poesia da vida e do tempo infinitos. Depois de alguns momentos, parada olhando a ciranda que em torno de mim é feita, sorrio levemente , o cheiro de lama e terra molhada e  seixos umidos,  escorregadios  e folhas macias já deitadas pelo tempo me tomam no colo e me embalam numa cantiga materna . Chove. E, no lago à frente, das fundas águas surge uma  garça branca livida  e luminosa, pousa na pedra e abre as asas com toda leveza de uma dança se aproxima de mim como que  num milagre, o bico mostrando o caminho a frente e logo levanta voo de novo. E,  some entre as folhagens daquela parte lodosa da floresta. Debaixo de suas águas estarei segura, e depois no voo de minhas próprias asas...oh deusa senhora das águas! Voltam, pois as graças e as garças!

Rio de Janeiro, novembro de 2021.

Alessandra Espínola

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