atravesso o meio do ano como
fosse o começo de tudo outra vez. bobagem, me distraí com um vespeiro, pense
numa coisa bonita, vontade de pôr a mão. sentir o zunido, ouvir as picadas, o
mel escorrendo pelos dedos, que mel? Ardência, coceira, coisa doída, as mãos
todas do corpo que são os poros da fala. olha! vem cá! olha esse corpo todo de
enxames e fogaréu e voos. meu corpo esse zunido no tempo, essesanguíneo vermelho
por entre meus meios de ser, veios e reentrâncias por onde esses seres orbitam,
essa alma elástico arco-íris magma. vem cá que eu vou te mostrar esse corpo
cápsula, casulo universo, campana, campanula essa rosa cúrcuma. esse borrão,
essa borrasca, uma bomba balão incendiando nos ares, vai cair em cima da tua
casa, da minha telha, do barraco, se esparramar no terraço, do nosso sobrado e
não vai sobrar nada, vem cá ver esse paiol de pólvora, vulcão, não tem medo
não. fogo no terreno, o fogo, queimando o seco e o molhado, acende a abóbora,
que o tempo vira carruagem em chamas o corpo tá doendo. Dói tudo isso de
corpulências.
minha filha, você precisa ter
medo, que medo salva a gente das coisas, salva a gente da gente, o pai diz me
olhando em silêncio. deu foi uma saudade do pai, daquela mãe/mão forte serrando
o tempo, com o lápis na mão desenhando a vida. pai não tenho medo, tenho isso
que dá no meu peito um coração no corpo todo bate em cheio toda em mim, eu vejo
com a pupila dilatada. E vem cá, vem, olha só esse corpo se abrindo como uma
terra se abre e devora os vivos na superfície. Aceito, aceito sim. Aceito que
sou uma porção de impulso e destemor desaforado de vida. Aceito a escuridão de
meu ser, e minhas sombras. Aceito que
sou livre, que isso nem me dá escolha de coisa alguma, é uma liberdade tal que
me desespera a ponto de eu me sentir eu sozinha sem uma linha que me segure a
mão que estanca uma pipa. Meu deus, olha esse corpo epilético de lua e alma
fustigada de sol.
alessandra espínola
Nenhum comentário:
Postar um comentário