sexta-feira, 1 de julho de 2016

eu vi o poema

eu vi o poema

é quando tange a fibra do hálito mudo que o poema lábio incha desnudo e o sangue jorra para um não sei aonde - alcança longe - para um nada quase como camicase carmesim e a agonia indômita da mandíbula anônima não trava nem se esconde. eu vi o poema com furor dentro desse troço íntimo e indecifrável como um cravo acre às avessas. eu vi o poema nos olhos da noite brotando do fosco poço da face crescendo na casa-túmulo e no cinza sutil das vigas e escorrendo pelos degraus do pulmão da palavra subterrânea. vi o poema nos cacos de ecos de vozes descamando abismos nos corpos sem cabeças atrás das gelosias e atrás das cortinas dos palcos. eu vi o poema na veia em extinção em jatos furores e súbitas espumas de folhas sequíssimas.
o poema...o golpe na jugular jorro sem rédeas e o garrote se arrebentando raízes. eu vi o poema cru na pedra que faísca quando se choca metal - acende o fogo, ardências e crepitâncias o poema eu vi - ah... e na sede cega à procura do olho d'água e no templo dos genes onde habitam inconsolavelmente os escombros da memória. eu vi o poema no mármore quebrado como um crânio roto desfraldado biografado de apodrecimento e no lustre se espatifando no chão do oco fundo do osso. eu vi o poema partindo - talvez na surdina sombria - como os elefantes pressentem o fim e caminham em silêncio sobre o esquecimento.
alessandra espínola

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