sexta-feira, 25 de julho de 2025

 "Minha alma canta sobre a guanabara"


Foi quando desci. Misturada de mangue e cais de Porto. Sobrevoava ainda os céus além mar e chegando a guanabara penetrei o ventre da terra brasileira carioca. Atravessando a ponte rio-niteroir futura. As águas eram toda eu. Cresci amolecida. Subterrânea. Submersa. De barro e mar. Perolada de sal. Vinho bordando as rendas. Mãe vó tias pegavam Caranguejo, rãs e siris metendo a mão no fundo do brejo até as entranhas e lavando os mortos para capela velar na posteridade com missas para mortos de 7 dias 7 anos 7 decadas os setênios todos, estou cravada no 7. Eu já me revirava no ventre de vovó.  Siri na lata, imagina só.  Pai nos tamancos portugueses, fazedor de casa e já o escorpião estirava cabeça a me espiar por entre as fendas, eu mesma o bicho negro na sombra fabrincando punhais e abismos. Picou-me e contenho veneno e antídoto. Doadora de sangue, engulo cabeças,   - vivas!  E corpos em êxtase. 

Voam sobre a guanabara as almas por vir. Atravessam a ponte e mergulham n'agua. Aportam no cais. Acolho na bacia das almas os fetos mortos. Marinheiros a postos,  navegar! Sim. É noite. E névoa. E muitos navios acenam chegada. Farol no mar. Com trilha para montanha e para praia. Chegam os maritmos de África e sua pequena tribo indígena, aldeia de Angola, vem lá.  Do Porto. Lisboa. Espanha. Itália. Rússia. E toda máfia. Amada minha, sim! Meu clã. Família , minha! Egito. E toda magia. Peru. Espanha , a ciganagem toda, a corte e os grande conselhos, comigo cá. Habitam-me. Abrigam-me. Abraçam-me. 

Braços abertos eu. 

Rio de Janeiro, inverno de 2025. 

Alessandra Espinola 

terça-feira, 15 de julho de 2025

Da série que se inicia:

[Poesia para Cabaré e outros noturnos]

 (Rascunhos)

Convite para árias,  bandolins e gaitas no salão nobre

Um quintal a noite

Poesia de batom vermelho

Se apresenta no palco central

***


Cabaré o corpo

Com suas cortinas veludosas em dobraduras

Eu e outros eus na sala de espelhos

De tapete vermelho, estendido

Pra você entrar

A gente vai se perder e se encontrar lá dentro

Quando o veu da  noite nos tocar. Beijar nossas pálpebras 

o nacar da lua nos banhar e 

Iluminar nossa face 

O perfume do teu halito me chamando 

A contemplar pinturas  desenhos esboços 

E logo na entrada , o vinho doce de teus gestos me aquecendo durante a fria estação de gelo. 

[Um capote invisível é posto ao meu coração escondido , o candeeiro do teu olhar - não me vê. ] ao longo dos dias observo o cabideiro dentro do Cabaré iluminado pelo lustre de luz baixa. E tudo muda na névoa dos dias. 

E o incenso de nossa vida subir

Nossas músicas tocarem

Então a gente vai lembrar de um tempo -lugar que não devíamos ter destruído. 

Então gente oferenda a vida -de novo- nossos corpos  como um tempo de ressurreição.


Ao som de Rita Lee , Menino Bonito.

Rio, inverno rigoroso de 2025. 

Alessandra Espinola 

Pequenas odisséias

Das Pequenas Odisséias

1. 

lua no mangue

la adear o profundo

 âmago da terra - 

raizes água magma electra

***

 2.

lua no escorpião:

dentro da casa úmida 

entrecruzo in_formação

óvulos útero autorreprodução 


Alessandra Espinola 


 Diários 

[12. 07. 2025]

Lua cheia de julho 

Dois velhos na passarela 

Contemplam o horizonte

- invisível 

***

Travessia da lua

Luminaria na ponte

Os caminhos se encontram.


Rio, inverno de 2025.

Alessandra Espinola 

quinta-feira, 26 de junho de 2025

 Subi os degraus em silêncio.

Abri a porta . Rangido. 

Era noite e as estrelas observavam a luz acesa na casa. Candeeiro. Frio. Fastio do ordinário cotidiano da cidade turbulenta. 

As vozes dos homens na sala corriam a madrugada como um pequeno alvoroço em dia de futebol.

Nada de mais. Nada fora do comum e habitual. Um homem se despede - com certa pressa, meio ligeiro, em agito, como de costume lhe é seu sentir , assim como se houvesse sempre uma ameaça,  uma tensão, a ânsia da perda, do parto, do abandono. E, logo o ronco do motor.... do carro e de seu peito aflito, naufragado em crises pessoais.  Bêbado de emoções emergidas e expargidas - espumas de copo corpo casa couraça. O silêncio então acolhe a noite em seus braços. Um certo alívio. Um calmo aluvião parece agora orquestrar os passageiros em voo. 

Alguns sons ainda dentro da casa são vivos,: a criança que chora e chama sua mãe,  um homem fala ao telefone com alguém- parece sentado numa poltrona, a forma como sua voz ecoa revela seu desconforto na cadeira confortável.  A mulher parece dar o peito à vida nascida. 

Um outro homem surge da cozinha com o copo na mão. Esticam a noite conversando  como dois comentaristas de campeonato carioca de fé e futebol.

A criança volta a chorar, chamando a mãe. A janela se fecha e o ar esquenta antes de chegar aos pulmões.  Parece que em outro quarto nasce uma criança.  

Cabeça pra baixo. Insuflam pulmões.  E a gritaria recomeça. 

Nessa hora, Schumann toca sua sinfonia e eu durmo com o livro aberto, o andar da história pausa perto do fim. 


Alessandra Espinola 

Rio de Janeiro,  outono frio de 2025. 

segunda-feira, 16 de junho de 2025

caminhos

 

travessia e conexão

a lua no alto da montanha 

estende sua luz no corpo das águas 

corredeira lenta e lodosa do passado, re_criando leito e caminhos.

o olhar agudo do tempo se lança como um mergulho de peixe que volta ao seu cardume, 

um barco em direção ao futuro na imensidão, livres, todos livres

e a mão materna que move o barro e o barco descansa a pressa e peso do costado marítimo, 

o arco lúmen alumia 

a dor  da exclusão da origem 

rastreio e investigação, minuciosa arte de esgrima meter a mão na cova, pinçar entre os dedos o visgo da cauda curativa do escorpião, nas profundezas.

olhar direto, claro, fluir, diluir, ser em vir

da ferida do clã do sol 

terras fronteiriças, transcendê-las

expor todos os mortos em honras e reconhecimentos -amorosos

ali no topo onde se revela o mapa na palma da mão com as cartas de terrras natais,

à tona na pele a flor e o espinho espessos, entre_linhas e silênciosas expedições

lunações e marés , sol a pino no mastro do marujo além de si, mar pra cá

Afogando inflamando o não dito dos sobrenomes sobrepostos em palimpsestos

sobre meu dorso o touro o pinguim e o leão, escorpião na brecha, 

funda fenda do convés,  convém a bússula ao norte, 

o pássaro sem nome,  desenha em seu voo códigos de fogo e bandeiras 

 pendulando nos índices do Tempo 

o sussurro endurecido do grito, o rompimento do rito, a quebra do vínculo

a embriguez, a névoa, o fardo, o canto, a faca nas mãos, o calo e a causa 

o grito abafado nas intercostais 

o soco meticuloso, encenado

a infância entre a enxada e o mar, a grama, o musgo molhado da chama, a lama

pássaros de água e terra

Engenham futuro e sendas de fundas águas ao sol. 

 

Rio de Janeiro, outono frio de 2025. 

segunda-feira, 2 de junho de 2025

o barco a ancora a onda e o peixe

marejanddo como num filme em camera lenta. 

- cenas de uma colagem no papel jornal -

... 

veleja nas ondinas do ar

asas ao sol espargindo sal e espuma, nas garras o peixe se debatendo

no bico o verde da alga 

o sonho de pouso: ninho, casa, terra firme, terra chã

para voos 

 ...

pausa para respiros e silêncios 

na realidade do chão movediço, 

irregular, diverso, incerto:

resquícios de exílio e deserção 

...

no vale, o peso demográfrico

- esta densa névoa 

engolindo a estrada 

a montanha

a lagoa

 

Rio de Janeiro, junho de 2025 

 

 

 

 

 "Minha alma canta sobre a guanabara" Foi quando desci. Misturada de mangue e cais de Porto. Sobrevoava ainda os céus além mar e c...